Ausências reiteradas do trabalho, em especial no início da semana, são sinais de que o trabalhador pode ter problemas com álcool e drogas. Dados da Previdência Social mostram que, entre 2009 e 2013, o número de auxílios-doença concedidos por transtornos mentais e comportamentais pelo uso de drogas aumentou mais de 50% no País – o total foi de 49.276 benefícios. Nesse período, os provocados por abuso de álcool cresceram 19,6% e os por cocaína, 84,6%. Com as demais substâncias, elevaram em 40%. Não apenas as chamadas drogas ilícitas, visto que há um crescente abuso e uso indevido de medicamentos no Brasil, muitos comprados no mercado negro.
Segundo a médica Márcia Bandini, diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, para descobrir que o empregado é viciado depende da substância, quantidade, perfil e atividade exercida. “Isso é variável, mas há alguns sinais de alerta que podem ser identificados”, afirma. Por exemplo, mudança do comportamento ou labilidade emocional. O trabalhador que habitualmente era sociável e expansivo, torna-se arredio e introvertido, além de agressivo e irritadiço. Quando bebe, durante o horário do almoço, seu hálito também vai denunciá-lo. As maneiras de descobrir são muitas, mas, claro, se houver um setor de RH interessado em resolver o problema. Relatos de colegas de trabalho sobre mudanças de comportamento podem ainda colaborar, mas devem ser avaliados com extremo cuidado. Todos os indícios são subjetivos e precisam ser confirmados. Uma empresa que afirma que o funcionário é alcoólatra ou drogado, sem comprovação, estará sendo leviana. Nos casos confirmados, a empresa deve entender que há aí um problema de saúde, passível de tratamento, que o trabalhador deve ser encaminhado e acompanhado. “A adição de álcool ou drogas é condição contemplada pela Classificação Internacional das Doenças – CID-10, como F10, que gera transtornos mentais e comportamentais pelo uso de álcool, e F19, transtorno mental e comportamental pelo uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas”. Em geral, os trabalhos menos prestigiados, que envolvam maior risco à vida, altamente estressantes ou que exijam a manipulação de matéria em degradação apresentam uma maior prevalência do uso, principalmente, álcool. Coletores de lixo, trabalhadores de necrotério, pessoas que lidam com captura e sacrifício de animais, trabalhadores da construção civil, pessoas que atuam em locais remotos e passam períodos prolongados longe da família são as principais vítimas.
No entanto, é preciso cuidado nesse tipo de avaliação, principalmente porque o álcool é uma substância socialmente aceita e com uso amplamente disseminado em todas as classes sociais. Por isso, é comum identificar o abuso de álcool também entre profissionais qualificados como os de saúde e executivos.
Em relação ao uso de drogas, vale o mesmo raciocínio: cada caso deve ser acompanhado de uma avaliação das condições de trabalho, bem como das sociais, em especial familiares. O tipo de trabalho pode funcionar como agravante da adição ou, por outro lado, pode haver situações específicas de risco que devem ser avaliadas individualmente. Em relação à família, sabe-se que o apoio é fundamental para o sucesso do tratamento. Por isso, é importante envolvê-la no processo. Segundo explica, a empresa deve aproximar-se com cuidado do trabalhador com o problema. Essa abordagem deve trazer uma saída para a condição que, em geral, produz sofrimento para ele mesmo. De acordo com o nível de relacionamento, o próprio supervisor pode fazer uma primeira aproximação – ou o gestor de pessoas ou o profissional de saúde. Depende de cada caso, mas há duas condições necessárias – uma é que haja confiança entre quem vai fazer a primeira abordagem e o trabalhador com o problema; outra, é que é necessário haver um encaminhamento adequado para o caso de tratamento ou reabilitação. Em alguns casos, pode ser feito sem que seja necessário sequer o afastamento do trabalho.
Em geral, recomenda-se que participem médico e psicoterapeuta, minimamente. Casos mais graves podem exigir afastamento, sem internação, para tratamento intensivo, com acompanhamento frequente e quase diário. Finalmente, alguns casos podem exigir internação em clínicas de reabilitação, por tempo variado. O uso de medicamentos de suporte deve ser avaliado. Quase sempre há indicação de participação de um grupo de apoio. Em algumas empresas, esse tipo de tratamento é contemplado dentro de sua política ou plano de atendimento de saúde. Para empresas pequenas, que não dispõem desses recursos, há possibilidades de parceria na localidade, seja na rede pública, em organizações não governamentais (ONGs) ou grupos de apoio.
O uso de droga ou álcool pode afetar a performance do funcionário, com consequências em sua segurança ou dos colegas, em especial, quando o consumo instala-se progressivamente. “No início, a qualidade do trabalho e a produtividade podem estar preservadas. Com o uso frequente e quantidades maiores da substância, o desempenho tende a cair”, explica. Em funções operacionais e de atividades repetidas, o efeito pode ser identificado mais tardiamente, mas as ausências do trabalho podem ser um indicativo a ser avaliado. Nos trabalhos que requerem maior grau de atenção ou cognição, os sinais podem ser identificados mais precocemente. Aqui, no entanto, vale lembrar que outras condições psíquicas podem mimetizar os mesmos sinais de sintomas. Portanto, é necessária uma avaliação mais cuidadosa de cada caso. O uso de substâncias psicoativas, em geral, não combina com nenhuma atividade de trabalho. Por isso, é importante haver prevenção, vigilância e oportunidade de tratamento e reabilitação. Essas medidas incluem ações educativas sobre os efeitos do uso de substâncias psicoativas, em geral, e seus impactos sobre as atividades de trabalho, além de outras dimensões da vida pessoal (familiar, social, financeira, saúde).
O uso do álcool no trabalho ocasiona cerca de 25% dos acidentes do trabalho no mundo. “Avaliações médicas periódicas podem contribuir para reforçar as medidas preventivas, bem como servir como vigilância em saúde do trabalhador, desde que esteja estabelecida uma boa relação entre médico e trabalhadores, a ponto de haver confiança para tratar de um tema sensível e de forma confidencial”.
A observação do desempenho e comportamento, por pares ou mesmo pela supervisão, podem identificar sinais que devam ser devidamente investigados, preferencialmente por profissional de saúde ou por gestores de pessoas habilitados. É importante haver uma política clara que permita buscar ajuda por parte dos indivíduos que tenham problemas com álcool e drogas. Isso cria um ambiente colaborativo, em que as pessoas sintam que podem pedir suporte. Ainda, sob a perspectiva de segurança, é preciso planejar as atividades de maior risco, estabelecendo-se medidas de proteção adequadas aos riscos, incluindo condições para a execução segura de uma tarefa, com supervisão adequada e direito de parada em caso de suspeita de que há risco aumentado por conta do uso de álcool, drogas ou qualquer outra condição semelhante. No Brasil, as empresas lidam de várias formas com o trabalhador que bebe e se droga durante o expediente.
Desde empresas que têm políticas claras sobre o tema, com foco na prevenção e na reabilitação, até empregadores que optam pela demissão, agravando o problema com a questão do desemprego. Cresce o número de empresas que opta pela testagem do uso recente, seja pelos testes de ar expirado (bafômetro) para o álcool, ou pelos exames de urina – ou outros materiais, como saliva, sangue e cabelo – para a detecção do uso de drogas. Nesse grupo de empresas, há ainda as que usam o teste de maneira complementar a uma política de prevenção, enquanto outras os utilizam de maneira desassociada da prevenção e reabilitação. Diferentemente de outros países, o Brasil ainda não definiu uma maneira de lidar com o tema, que seja tecnicamente correta, legal e eticamente adequada.