O trabalho em altura exige cuidados muitas vezes complexos, inclusive porque o sistema de ancoragem deve obedecer a rigorosos fatores de segurança que vão além do conhecimento de um técnico de segurança do trabalho e chegam à responsabilidade de um engenheiro civil, profissional mais bem capacitado para dimensionar todo o sistema de maneira adequada. Essa, aliás, é uma das exigências da NR-35, norma que estabelece os critérios de segurança para o trabalho em altura e que recentemente recebeu um novo anexo, que trata exatamente sobre como a ancoragem do trabalhador deve ser feita. Por ser uma atividade que envolve diversos fatores de risco, a atividade é uma das campeãs em acidentes do trabalho – muitos, inclusive, fatais.
O consultor Luis Eduardo Spinelli, que é especialista em segurança para o trabalho em altura. Segundo ele, por mais que as normas imponham mais rigor, o mercado ainda está carente de profissionais capacitados para assumir as responsabilidades de avaliar os riscos e indicar soluções para evitá-los ou eliminá-los. Confira:
A NR-35 recebeu recentemente um novo anexo, sobre o sistema de ancoragem. O que você destaca como positivo nesta mudança?
Apesar das naturais e esperadas dificuldades que surgem diante de novas exigências técnicas, o fato de fazer as empresas e os profissionais pensarem sobre a qualidade dos sistemas de ancoragem destinados a segurança dos trabalhadores, por si só, tem muita relevância. Mas o que se pretende com o texto do Anexo II da NR-35 é a segurança de fato, e para isso há uma sequência de fases pelas quais teremos que passar.
Como as empresas estão se adequando a isso?
O mercado se encontra na fase de buscar compreender as exigências do Anexo II da NR-35. E essa fase está muito no início. Ainda estamos debatendo os papéis de responsabilidade na implantação da norma. O Anexo II é claro quando atribui ao profissional legalmente habilitado (para simplificar a resposta, vamos designar esse papel ao engenheiro), a função de selecionar e garantir a segurança dos pontos de ancoragem, ou seja, os pontos nos quais os demais componentes do sistema serão instalados. Mas trata-se de um “sistema”, e determinar apenas os pontos de ancoragem não basta. Há a necessidade de avaliar as condições do trabalho, do ambiente onde esse trabalho será realizado, bem como prever a dinâmica de uma eventual queda se ela não puder ser evitada, mas apenas controlada. Isso implica em determinar todos os demais componentes do sistema e como deverá ser feita a sua montagem, a sua inspeção e o seu uso. Nos sistemas permanentes, o projeto, a instalação e o testes podem, ou melhor, devem ser atribuídos a um engenheiro. Mas quando tratamos de sistemas temporários, que são normalmente removíveis e reutilizados em diferentes locais, a situação torna-se um pouca mais complicada. O engenheiro continuará sendo o responsável pela indicação e pela confiabilidade dos pontos de ancoragem, no entanto, as atribuições de montagem, de inspeção e de uso dos sistemas removíveis impõem uma experiência e um conhecimento técnico que fogem do escopo de muitos e, talvez, da maioria dos engenheiros. O Anexo II atribui a montagem dos sistemas aos trabalhadores capacitados, e aos profissionais qualificados em segurança do trabalho delega a responsabilidade de elaborar o procedimento operacional, mas, entres todos esses colaboradores, quem de fato está capacitado para assumir tais responsabilidades? E diante desta questão, a confusão e a insegurança ainda contaminam o mercado nesta fase da implantação do Anexo II da NR-35.
Na sua avaliação, o que mais poderia ser aprimorado na NR-35?
A exemplo da NR-33, que contempla a função de supervisor de entrada em espaços confinados, falta nas rotinas de trabalho em altura algo equivalente, ou seja, o profissional com melhor qualificação e capacitação para assumir as responsabilidades de avaliar os riscos, indicar as soluções para eliminar ou controlar estes riscos e supervisionar o andamento dos trabalhos. Esta necessidade foi considerada desde a elaboração do texto base da NR-35, no entanto, com a intenção de manter a viabilidade da implantação da norma a curto prazo, o assunto foi deixado para o futuro. Sem esse profissional temos uma lacuna aberta na gestão dos trabalhos em altura, o que fica evidente neste momento, em que o mercado se esforça para implantar as exigências do Anexo II da NR-35.
Mesmo com EPIs cada vez mais modernos e com o aprimoramento da legislação, por que o trabalho em altura continua a provocar acidentes e mortes?
Porque o problema é complexo, formado por um sistema de múltiplas partes e, portanto, exige um conjunto de medidas que contemplem todas elas. Se fizermos uma enquete no mercado de trabalho, perguntado sobre o principal motivo, ou sobre o principal responsável pelos índices de acidentes de trabalho ainda serem tão elevados no Brasil, a maioria dos profissionais terão uma resposta fácil, segura e na “ponta da língua”. Haverá aquele que irá responsabilizar os empregadores por negligenciarem com frequência a segurança dos trabalhadores. Haverá aquele que responsabilizará os trabalhadores por resistirem as mudanças que conduzem as rotinas de trabalhos mais seguras. Haverá o que responsabilizará a fiscalização dos órgãos públicos por não atuarem de forma mais efetiva. Haverá o que responsabilizará as leis e o judiciário pelas penalidades brandas aplicadas aos empregadores e aos gestores que falham nos cuidados com a segurança dos trabalhadores. Haverá o que culpará os maus fornecedores de equipamentos que visam mais os lucros do que a segurança de fato. Haverá o que culpará a má qualidade dos treinamentos no Brasil. Ninguém estará errado, mas também ninguém estará absolutamente certo! Não há apenas um único responsável dentro de um sistema que envolve tantos segmentos da sociedade. Todos têm a sua parcela de responsabilidade! Os índices de acidente do trabalho somente serão reduzidos no Brasil se considerarmos o problema de forma sistêmica, englobando todas as partes envolvidas.
Fonte: Revista Cipa