Das categorias profissionais que existem em nossa sociedade, algumas gozam de grande prestígio e notoriedade, enquanto há outras que amargam o peso de ocuparem posições marcadas pela desvalorização, algo bem típico de sociedades capitalistas de classes. Mas, há também aquelas que embora não ocupem lugares extremos, sofrem de alguns males e ambiguidades bastante específicas. Dentre essas, talvez nenhuma supere a ambiguidade da condição de ser professor.
Reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho como profissão de suma importância para a sociedade e seu desenvolvimento (OIT & UNESCO, 1984), presencia-se hoje entre os professores brasileiros uma realidade que vai do sentimento de derrotismo ao adoecimento físico e mental que leva, por vezes, à incapacidade laboral e à loucura. A gravidade da situação é tamanha que tem levado à “desistência na escola e da escola” (Paparelli, 2010, pág. 340).
A própria OIT, mesmo mantendo atualmente o posicionamento de que o papel do professor é essencial para a sociedade e o desenvolvimento humano (UNESCO & OIT, 2008), vem admitindo o quanto o conteúdo de suas recomendações é confrontado pelo cenário atual.
Exemplo disso foi o estudo patrocinado pela entidade, o qual apontou para um cenário de escassez mundial de professores em virtude de questões como o progressivo aumento da população mundial, as condições de trabalho e os baixos salários (Siniscalco, 2002). De igual maneira, a declaração do Diretor Geral do órgão, Guy Ryder é sintomática, uma vez que ele reconheceu a “deterioração da posição dos mestres” e definiu a profissão docente como uma “profissão sitiada” (Ryder, 2012).
No Brasil, enquanto a mídia noticia quase que diariamente as múltiplas dificuldades enfrentadas pelos professores, dentre as quais se destacam os casos de violência, indisciplina e outras formas de desrespeito; os estudos envolvendo professores apontam para um cenário de adoecimentos característicos da profissão. Mas, que tipos de doenças estariam acometendo os professores? O que os estaria afastando do seu trabalho?
Mais ou menos na ordem abaixo, a hierarquia dos afastamentos tem sua maior incidência relacionada aos transtornos mentais e comportamentais (o que inclui a já popularizada síndrome de Burnout); acompanhados pelos problemas cardiológicos e circulatórios; os distúrbios da fala e da voz e os transtornos osteomusculares, ortopédicos e músculos-esqueléticos. Com menor incidência, porém não com menor importância, aparecem os casos de transtornos respiratórios; de acidentes e doenças digestivas, bem como as do tecido conjuntivo.
Na causa desses problemas, como principais fatores de risco ou agentes agressores, estariam o stress, as longas jornadas de trabalho decorrentes do acúmulo de cargos, o intenso e contínuo uso da voz, os movimentos repetitivos, o ruído e o pó de giz. Visões mais contemporâneas incluiriam nessa lista também a gestão violenta e alguns fenômenos emergentes ligados aos recursos tecnológicos.
Mas, não é só no afastamento que se manifestam os problemas, o mesmo acontece no retorno ao trabalho. Conforme demonstrado por estudo recente (Silva-Macaia, 2014), diversos professores afastados das salas de aula não se perceberem, de fato, voltando ao trabalho quando retornam. Isso porque não conseguem enxergam sua identidade profissional atrelada às funções que geralmente lhes são atribuídas na condição de readaptados, um processo potencialmente frustrante, principalmente para os que se afastaram em decorrência de transtornos mentais e comportamentais.
Cabe lembrar ainda, que entre os anos de 2005 e 2009 a Fundacentro realizou um projeto intitulado “condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores de Educação Básica no Brasil” (Ferreira, 2010). Este projeto contou, por um lado, com um “estado da arte” (Leite e Souza, 2007) realizado a partir da análise de 65 publicações desenvolvidas no Brasil sobre o assunto. Por outro lado, contou com uma pesquisa de campo que resultou em seis livros sobre as condições de trabalho de professores de seis estados brasileiros, na qual se utilizou a metodologia da ACT (Análise Coletiva do Trabalho). É possível, inclusive, acessar a entrevista concedida após a conclusão do trabalho. O estudo revelou, igualmente, condições de trabalho precárias, sofrimento e adoecimento.
Temos, portanto, diante de nós, um cenário composto por matérias jornalísticas, livros e estudos que têm nos trazido uma triste constatação. Todavia, além de constatar que a qualidade da saúde e das condições de trabalho dos professores chegou a um nível de ambiguidade que não se pode mais tolerar, deve-se perguntar: o que pode ser feito para tentar corrigir essa situação? Por se configurar como um problema de Saúde Pública, essa questão passa a ser também um problema social e, como tal, deve ocupar a preocupação tanto daqueles que detém o poder de construir as políticas públicas de saúde, educação e relações de trabalho, como também de pais, mães, alunos e toda a comunidade escolar.
A fim de tentar aprofundar sua contribuição, a Fundacentro continua se voltando ao assunto e, por meio de um grupo multidisciplinar, deu início recentemente a um novo projeto de pesquisa sobre o tema. Composta por uma equipe multidisciplinar, a coordenação do projeto vem focando seus esforços em identificar possibilidades de intervenção e, para tanto, está propondo a construção de uma rede de pesquisadores que se dedicam ao estudo das condições de trabalho e saúde dos professores. Pretende-se, assim, formar a “comunidade saúde dos professores”. Em breve a coordenação do projeto espera disponibilizar um acervo sistematizado de obras de interesse sobre o assunto que poderá ser acessado na plataforma virtual desenvolvida para subsidiar o trabalho da comunidade.
* Amanda Aparecida Silva-Macaia
** Frida Marina Fischer
*** Jefferson Peixoto da Silva
**** Renata Paparelli
* Pós-doutoranda em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e Tutora de Educação a Distância da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, ENSP/FIOCRUZ, Brasil.
** Doutora em Saúde Pública e Professora do Programa de Pós-graduação do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública/USP.
*** Tecnologista da Coordenação de Educação da Fundacentro, mestre em Educação e doutorando em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública/USP.
**** Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pelo Instituto de Psicologia da USP e Professora da Faculdade de Psicologia da PUC/SP.