Data: 4 de dezembro
Trabalhar longas horas e ganhar um bom salário é considerado por muitos o sinônimo de sucesso. E ser chamado de workaholic (viciado em trabalho), um elogio.
O problema é quando o desejo obsessivo de trabalhar é exercido em detrimento do resto, como saúde, relacionamentos e mesmo a qualidade do trabalho.
Essa compulsão tem levado muita gente a consultórios de analistas e a grupos de auto-ajuda. E pode matar: no início de outubro, um estudo do governo japonês descobriu que um quinto da força de trabalho do país corre risco de morte por trabalho em excesso.
E não se trata nem de longe de um problema apenas japonês. Em junho, o Workaholics Anônimos (WA), um programa que se baseia nos famosos “12 passos” dos Alcoólicos Anônimos, realizou sua primeira reunião internacional, no Reino Unido, com a presença de delegados dos quatro cantos do mundo.
Há poucas pesquisas estudando como o vício em trabalho se desenvolve. Não é algo reconhecido oficialmente como doença pelo Manual de Distúrbios Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, uma espécie de bíblia do assunto.
Mesmo sem essa chancela, o impacto do excesso de trabalho é ligado a efeitos na saúde.
Uma análise recente de pesquisadores da Universidade da Geórgia (EUA) examinou estudos acadêmicos existentes neste campo e concluiu que, entre outras coisas, workaholics, como são conhecidos os viciados em trabalho, são menos produtivos do que colegas com atitude mais saudável em relação ao trabalho.
Outro estudo em larga escala, publicado em maio pela Universidade de Bergen, na Noruega, viu correlação entre tendências de trabalho em excesso e outros distúrbios psiquiátricos, como transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade e depressão.
Mas quando o trabalho duro se torna algo ruim? O workaholismo é uma compulsão –um impulso para trabalhar ou pensar em trabalho, explica Bryan Robinson, psicoterapeuta baseado na Carolina do Norte (EUA) e autor do livro “Chained to the Desk” (Acorrentado à Cadeira, em tradução livre), uma espécie de guia para viciados em trabalho.
“Não é uma questão de quantas horas passamos no trabalho, mas sim o que está acontecendo dentro de nós. O workaholic é uma pessoa que está em uma estação de esqui e sonha em voltar ao trabalho. O trabalhador saudável está no escritório, mas pensando na estação de esqui”, afirma Robinson.
O psicoterapeuta, que já cuidou de pacientes cujo excesso de devoção ao trabalho resultou em divórcios, demissões e crises de saúde, cita o caso de uma mulher que mentia para o marido que estava na academia, mas em vez disso ia para o trabalho e depois molhava as roupas de ginástica para dar a impressão de suor.
Malissa Clark, uma das acadêmicas envolvidas no estudo da Universidade da Geórgia, diz que viciados em trabalho relatam mais estresse, menos satisfação profissional e mais fadiga.
Isso sem falar em menores níveis de saúde mental e física e problemas familiares, apesar da crença de que o vício em trabalho resulta em profissionais mais competitivos, ambiciosos e produtivos.
“Não há muitos resultados positivos”, conta a pesquisadora.
Como fazer para saber se você está com um problema? Há alguns testes que podem ser feitos. Os pesquisadores noruegueses criaram a Escala Bergen de Vício em Trabalho, que ajuda a medir nosso comportamento, sentimento e atitudes em relação ao trabalho. O WA conta com um questionário online que ajuda a determinar se você precisa de ajuda.
Especialistas dizem que o primeiro passo é reconhecer que há um problema. Robinson, por exemplo, define a si mesmo como um workaholic em recuperação. E recomenda um tratamento que inclua meditação, terapia, mudanças comportamentais e um trabalho que descubra algo mais por trás da obsessão com o trabalho.
“Há uma série de causas primordiais. Pode ser auto-estima ou mesmo uma forma de tentar controlar a ansiedade”, diz o psicoterapeuta.
Escala de Bergen
A escala conta com sete critérios básicos para identificar vício em trabalho. As situações têm frequência classificada como “nunca”, “raramente”, “às vezes”, “frequentemente” e “sempre”. Se você marcar “frequentemente” ou “sempre” em pelo menos quatro de sete situações, pode ser um workaholic.
As situações são: pensa em como pode conseguir mais tempo para trabalhar; passa muito mais tempo trabalhando do que pretendia originalmente; trabalha para reduzir sentimentos de culpa, ansiedade, desespero e depressão; já ouviu de outros para diminuir a carga de trabalho; fica estressado se não consegue trabalhar; sacrifica hobbies, lazer e exercício por causa do trabalho; e trabalha tanto que isso afeta sua saúde.
O californiano Bob, de 61 anos, que não revela seu sobrenome, como prega o programa do WA, percebeu que tinha um problema quando sua mulher se disse cansada de acordar no meio da noite e descobrir que ele não estava na cama, mas, sim, ainda no escritório. Bob agora trabalha como voluntário para o WA e diz que workaholics são “viciados em adrenalina”.
“Estresse, pressão, crise e prazos fazem justamente a adrenalina correr nas veias e possibilitam a habilidade de se trabalhar em um ritmo louco”, conta.
Bob teve seu primeiro trabalho aos cinco anos de idade, ajudando o irmão a entregar jornais, reciclar latas e garrafas, cortar grama e limpar a neve de calçadas e entradas de garagem. Ele se tornou um bem-sucedido homem de negócios, mas sua saúde começou a ter problemas e ele acredita que teria passado por sérios problemas com a família se não tivesse procurado ajuda.
“Minha mulher não querer mais viver daquele jeito me deu a força de vontade para eu que finalmente adotasse o programa (do WA) com compromisso.”
Mas o trabalho não é algo que podemos simplesmente deixar de lado, então como controlar nossos impulsos?
“É a diferença entre seguir um plano e simplesmente pegar o primeiro projeto que aparecer”, diz Bob. Na prática, significa programar horas de trabalho, concentrar-se em uma coisa de cada vez e, se algo inesperado aparecer, reavaliar prioridades em vez de simplesmente tentar encaixar tudo na agenda.
Outras opções incluem procurar um terapeuta especializado nesta área ou participar de workshops e programas.
Em alguns países há até clínicas de reabilitação para casos mais graves, como a Bridge to Recovery, no Estado americano de Ohio. Mas ainda há a necessidade de mais estudos. “Não temos pesquisa em como a condição se desenvolve e não há quase nada entre a relação entre o vício em trabalho e desordens clínicas”, diz Malissa.
“Isso precisa ser um tópico mais comum [de estudos], porque tem impacto negativo legítimo no bem estar e na vida das pessoas”.
(Fonte: Folha de S. Paulo)